Por Glaydson de Oliveira Souza
Vivemos numa sociedade de indivíduos que apesar de massificada, apoia-se na ideia perene da individualidade. Nesse sentido, o outro aparece como um horizonte longínquo da nossa percepção. Isso deriva da filosofia clássica, cartesiana, que colocou o sujeito, o ego, o indivíduo, como categoria e realidade principal.
Tudo isso levou a um distanciamento do outro e à dificuldade em percebê-lo como igual. E pior: esse afastamento expõe até mesmo a incapacidade da percepção da possibilidade da existência do outro.
Em tempos de isolamento social em razão da pandemia que marca o início desse século, os contornos dessa subjetividade ganham novos aspectos se consideramos a complexa sociedade brasileira e seu campo religioso, na medida em que a religião se mistura com a política e tenta novamente se institucionalizar no estado “laico”.
O problema se dá principalmente no âmbito dos neopentecostais, designação cristã de viés protestante que busca na política o poder e a legitimação, mantendo forçosamente abertos os templos, as vezes com milhares de fiéis amontoados, contrariando as proibições de aglomeração. O problema se agrava quando a massa de fiéis é levada á ideologias de morte, apoiando a centralização do poder político nas mãos de um único líder que se configura como um “messias” e que é contrário ao isolamento. E mais, quando querem impor a existência de um único Deus para todo o complexo arranjo religioso brasileiro.
Se o isolamento é uma conduta ética que serve a todos, podemos conceber a existência de ‘escolhidos por Deus’ que são incentivados a não se submeterem a ele? Isso não seria, a priori, a afirmação egoísta daquela fé e daquela religião sobre as outras, que continuam suas práticas e rituais por outros meios, respeitando o acordo social de se isolar?
A prática de romper o isolamento por fiéis de determinadas religiões é um meio de afirmação de superioridade, uma manifestação exacerbada da comparação da plenitude de um grupo em detrimento dos demais, que não seriam dignos de respeito na medida em que afirmando a plena humanidade de um grupo supõe-se a humanidade relativa do outro. Isso, logicamente, vem do privilégio do eu, como se o direito do outro de existir dependesse de mim e do ‘meu Deus’.
Nesse abismo civilizacional emana a importância do diálogo inter-religioso: ao invés do eu constituir o significado do outro, porque não tentar inverter as posições e entender que o outro é que me constitui como eu mesmo? Assim, desse ponto de vista, eu ficaria devendo ao outro a minha existência e não ele devendo a existência dele a mim. Qual a dificuldade na aplicação da ética da alteridade nas religiões?
Como seria uma ética religiosa em que o princípio da moralidade fosse o outro e não eu? Em que ele me constituísse como realidade ética e não eu a ele? Não é essa a base da religião cristã ‘amar ao próximo como a si mesmo’?
Nesse sentido, a lógica do isolamento social é corolário da alteridade: uma tentativa de fazer com que vejamos o mundo a partir do outro. Permanecendo isolados preservamos a saúde e vida do outro, adquirindo a consciência da sua importância, sentindo-nos responsáveis. O diálogo inter-religioso seria a medida da alteridade.
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